Electra - Jennifer Saint - E-Book

Electra E-Book

Jennifer Saint

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Beschreibung

Em uma saga épica repleta de traição, coragem e luta, três mulheres icônicas vão redefinir a história de Troia. A Casa de Atreu carrega uma terrível maldição: uma linhagem marcada por gerações de violência e vingança implacáveis. Esta é a história de três mulheres cujos destinos estão entrelaçados, desafiando os caprichos dos homens e a imprevisibilidade dos deuses.   Clitemnestra, a irmã Esposa de Agamêmnon e irmã de Helena, Clitemnestra tenta desesperadamente evitar a maldição que assola sua família. Mas tudo desmorona quando Helena é raptada por Páris e levada para Troia.   Cassandra, a profetisa Princesa de Troia, Cassandra é amaldiçoada pelo deus Apolo: ela pode prever o futuro, mas ninguém acredita em suas profecias. Com o coração pesado, ela vê o destino de sua cidade se aproximar e nada pode fazer para impedir sua destruição.   Electra, a filha Filha mais nova de Clitemnestra e Agamêmnon, Electra cresce em meio ao derramamento de sangue e às tragédias de sua família. Ela deseja desesperadamente escapar dessa espiral de violência, mas é possível romper esse ciclo ou sua vida está destinada ao mesmo destino cruel?  

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Seitenzahl: 456

Veröffentlichungsjahr: 2025

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Copyright © Jennifer Saint, 2022

Copyright © Editora Planeta do Brasil, 2025

Copyright da tradução © Isadora Prospero, 2025

Todos os direitos reservados.

Título original: Elektra

Preparação: Maitê Zickuhr

Revisão: Elisa Martins e Thiago Bio

Projeto gráfico e diagramação: Márcia Matos

Ilustrações de miolo: Freepik

Capa: Marina Banker

Adaptação para eBook: Hondana

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Saint, Jennifer

Electra [livro eletrônico] / Jennifer Saint ; tradução de Isadora Prospero. - São Paulo : Planeta do Brasil, 2025.

ePUB

ISBN 978-85-422-3758-0 (e-book)

Título original: Elektra

1. Ficção inglesa I. Título II. Prospero, Isadora

25-3160

CDD 823

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção inglesa

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2025

Todos os direitos desta edição reservados à

EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA.

Rua Bela Cintra, 986, 4o andar – Consolação

São Paulo – SP – 01415-002

www.planetadelivros.com.br

[email protected]

Para Alex.

“E não consigo disfarçar a ira;

[…] Mas meu pranto

não cessará, nem meus sentidos ais,

enquanto eu contemplar os raios trêmulos

dos astros para sempre cintilantes

e a claridade de todos os dias!

[…] Se quem é morto criminosamente

jaz transformado em pó e nada mais

e não há punição para quem mata,

então a dignidade e a reverência

não mais existirão entre os mortais!”

— Electra, Sófocles, tradução de Mário da Gama Kury (Zahar)

Prólogo

Electra

Micenas está em silêncio, mas não consigo dormir esta noite. No final do corredor, sei que meu irmão terá chutado seus cobertores. Toda manhã, quando vou acordá-lo, eles estão emaranhados em suas pernas como se tivesse disputado uma corrida no sono. Talvez corra atrás do nosso pai, o homem que nunca conheceu.

Quando nasci, foi meu pai que escolheu meu nome. Uma homenagem ao sol: flamejante e incandescente. Ele me contava isso quando eu era menina: que eu era a luz da nossa família. “A beleza de sua tia é famosa, mas você já é muito mais radiante que ela. Vai trazer mais glória à Casa de Atreu, minha filha.” Então beijava minha testa antes de me pôr no chão. Sua barba fazia cócegas, mas eu não me incomodava. Acreditava no que ele dizia.

Agora, não me importo com a falta de pretendentes clamando por mim no salão do trono. Ouvi as histórias sobre minha tia Helena e nunca senti inveja. Aonde a beleza a levou? Até uma cidade estrangeira que mantém nossos homens há dez anos. Dez anos que vivo sem meu pai, me agarrando a cada vitória relatada por mensageiros que passam por Micenas. Notícias de cada triunfo me enchem de orgulho, de júbilo, porque é o meu pai, Agamêmnon, que luta há tanto tempo e que reúne seus homens para continuar lutando até que os muros altos de Troia se tornem escombros sob seus pés vitoriosos.

Vejo a cena o tempo todo na mente: como ele vai tomar de assalto os portões da cidade e como os troianos por fim cairão a seus pés, amedrontados. E depois de tudo, ele voltará para casa, para mim. Sua filha leal, esperando por ele aqui ano após ano.

Sei que algumas pessoas dirão que ele nunca amou os filhos, que não pode ter amado, dado o que fez. Mas me lembro dos seus braços ao meu redor e da batida constante do seu coração contra meu ouvido, e sei que nunca haverá um lugar mais seguro neste mundo para mim.

Sempre quis crescer e me tornar a mulher que ele achou que eu me tornaria, a mulher que eu poderia ter sido, se ele tivesse ficado, e viver à altura do nome que ele me deu.

Mais do que tudo, quero deixá-lo orgulhoso.

Em algum lugar deste palácio, não tenho dúvida de que minha mãe está vagando, olhando para a escuridão distante. Ela sempre se move sem fazer barulho, os pés macios em sandálias delicadas, o cabelo preso com fitas carmesins, aromatizado com pétalas trituradas e óleos perfumados, sua pele lustrosa cintilando ao luar. Não deixarei meu quarto; não quero arriscar encontrá-la. Em vez disso, eu me levanto e sigo na direção da janela estreita na pedra. Não espero ver nada quando apoio os cotovelos no peitoril e me inclino para fora — nada, exceto talvez um punhado de estrelas. Mas, enquanto observo, vejo uma fogueira se acender em uma torre de sinalização no topo de uma montanha distante, e, em resposta, mais uma, e então mais uma, em uma cadeia de fogo que salta na direção de Micenas. Meu coração martela no peito. Alguém lá fora está nos mandando um sinal. E só há uma coisa que todos nós queremos ouvir.

Faíscas laranja explodem e espiralam no céu quando outra torre de sinalização se acende, ainda mais perto. Lágrimas brotam em meus olhos. Conforme assisto às chamas sem acreditar no que vejo, sinto uma centelha acender-se dentro de mim, a compreensão atordoante do que isso significa.

Troia caiu.

Meu pai está voltando para casa.

PARTE I

1

Clitemnestra

A Casa de Atreu carregava uma maldição. Uma maldição particularmente medonha, mesmo para os padrões dos tormentos divinos. A história da família era cheia de assassinatos brutais, adultério, ambição monstruosa e mais canibalismo do que se esperaria. Todos sabiam disso, mas quando os Atridas — Agamêmnon e Menelau — estavam diante de mim e de minha irmã gêmea em Esparta uma vida atrás, bem… as histórias tolas de crianças cozinhadas e servidas a seus pais pareceram cintilar e se esmigalhar como grãos de poeira à luz do sol.

Os dois irmãos eram cheios de vitalidade e vigor — não belos exatamente, mas fascinantes. A barba de Menelau reluzia com um matiz avermelhado, enquanto a de Agamêmnon era escura, como os cachos apertados ao redor da cabeça. Havia pretendentes muito mais belos diante da minha irmã — na verdade, o grande salão no qual se reuniram parecia inchar e grunhir com o puro volume de faces esculpidas e ombros belos, mandíbulas salientes e olhos brilhantes. Ela podia escolher entre os melhores homens da Grécia, mas Helena só tinha olhos para o desajeitado Menelau, que trocava o peso dos pés, pouco à vontade, e a encarava mudo.

Filha de Zeus, é o que as histórias diziam de Helena. Enquanto eu nasci com o rosto vermelho e chorando pela indignidade comum do parto, minha irmã supostamente abriu caminho com um toque delicado através de uma casca de ovo branca e pura e eclodiu linda e inteira. A lenda era adornada com detalhes fantasiosos — todos sabiam que Zeus podia adotar muitas formas, e nessa ocasião específica ele apareceu para nossa mãe com penas e branco como a neve, deslizando pelo rio na direção dela com um propósito inconfundível.

Ser abençoada por Zeus dessa forma era uma coisa gloriosa, era o que todos diziam. Se Leda, nossa mãe, tinha sido considerada bela o bastante pelo governante dos próprios deuses, era uma grande honra para nossa família. Não seria uma desgraça para nosso pai criar o fruto de tal união.

E a beleza de Helena era lendária, de fato.

Eles tinham se reunido em nossa casa às dezenas, os tais pretendentes. Como se empurravam, tentando espiar seu véu esvoaçante, ávidos por um vislumbre da mulher considerada a mais linda do mundo. Quando a atmosfera mudou, ficando inquieta, notei como as mãos dos homens pairavam perto das espadas no quadril. Helena também reparou e se virou para mim por um instante, só o suficiente para nossos olhos se encontrarem e um momento de preocupação passar entre nós.

Às margens do salão, nossos guardas se empertigaram e apertaram as lanças um pouco mais forte. Eu me perguntei quão rápido o coração fervilhante da multidão poderia transbordar e nos alcançar, e quanto tempo os guardas levariam para abrir caminho através do tumulto.

Nosso pai, Tíndaro, retorceu as mãos. O dia tinha começado tão promissor para ele; nossos depósitos transbordando com os presentes ricos que cada rapaz tinha trazido para apoiar sua causa. Eu o vira se regozijar com a riqueza e o prestígio que esse dia glorioso lhe trouxera. Despreocupado, ele depositara toda sua confiança na habilidade de nossos irmãos musculosos de nos proteger como sempre fizeram, mas eu duvidava que mesmo a competência deles seria suficiente contra o número de homens que tinham vindo ali para conquistar minha irmã.

Olhei para Penélope. Sempre podíamos confiar em nossa prima quieta, de olhos cinza, para manter a cabeça fria. Mas Penélope não retribuiu meu olhar frenético, pois estava focada em Odisseu. Os dois se olhavam como se vagassem sozinhos por uma campina perfumada em vez de estarem presos em um salão com uma centena de temperamentos instáveis e a faísca prestes a se acender e incendiar a todos.

Revirei os olhos. Odisseu estava ali como um dos pretendentes de Helena, como todos os outros, mas claro que nada que aquele homem fazia era o que parecia. Sua famosa inteligência nos seria útil nessa situação, pensei, frustrada ao ver que, em vez disso, ele preferia se perder em um devaneio romântico.

Mas o que eu confundira com uma troca sonhadora de olhares entre minha prima e seu amado era na verdade a formulação silenciosa de um plano, pois Odisseu pulou na plataforma onde nos sentávamos e pediu ordem aos gritos. Mesmo sendo baixo e tendo as pernas arqueadas, ele tinha uma presença autoritária, e o salão silenciou-se de imediato.

— Antes que Helena faça sua escolha — entoou ele —, vamos todos fazer um juramento.

Eles o ouviram. Ele tinha um dom para curvar a vontade dos outros a seus objetivos. Até minha prima tão astuta era fascinada por ele, e eu tinha pensado que o intelecto de homem nenhum estaria à altura do dela.

— Todos viemos aqui hoje pelo mesmo propósito — continuou ele. — Todos desejamos desposar a bela Helena, e todos temos bons motivos para crer que somos um marido digno de tal mulher. Ela é um prêmio maior que qualquer outro que podemos imaginar, e o homem que puder chamá-la de sua terá que se esforçar muito para protegê-la daqueles que tentariam tomá-la.

Eu podia ver que todo homem no salão estava imaginando essa possibilidade. Todos se viam como aquele que a ganharia, mas Odisseu havia azedado o sonho. Eles o ouviam atentamente, esperando que ele revelasse a solução do dilema que tinha apresentado.

— Então, proponho que juremos que, não importa quem ela escolha, todos nos juntaremos a ele para protegê-la. Todos faremos um juramento solene para defender seu direito de tê-la, e mantê-la, com nossa própria vida.

Nosso pai se ergueu de um pulo, extasiado por Odisseu ter salvado seu dia triunfante de um desastre quase certo.

— Sacrificarei meu melhor cavalo! — declarou. — E todos vocês farão sua promessa aos deuses sobre o sangue dele.

E assim foi feito, e tudo que nosso pai perdeu naquele dia foi um cavalo. Bem… um cavalo e uma filha, eu deveria dizer, e uma sobrinha também, para completar a barganha. Todos foram tirados de suas mãos em um único golpe, pois Helena só teve que sussurrar o nome “Menelau” antes de o homem se levantar, apertando a mão dela e balbuciando sua gratidão e devoção. Odisseu pediu a mão de Penélope tão logo depois, mas meu olhar se prendeu no irmão de cabelo escuro, cujo olhar taciturno ficou fixo nas pedras do chão. Agamêmnon.

— Por que você escolheu Menelau? — perguntei a Helena mais tarde.

Uma série de criadas agitadas a cercava, ajeitando as pregas de seu vestido, trançando seu cabelo em espirais elaboradas e fazendo incontáveis pequenos adornos que eram totalmente desnecessários.

Helena considerou minha pergunta antes de responder. As pessoas só falavam de sua radiância estonteante, às vezes comovidas a ponto de compor poemas ou canções em seu louvor. Ninguém jamais mencionava que ela era atenciosa ou gentil. Eu não podia negar a leve pontada de inveja que surgira dentro de mim, fria e venenosa, ao crescer ao lado de uma gêmea cuja magnificência sempre me lançaria nas sombras. Mas Helena nunca tinha sido cruel comigo, nem me atormentado. Nunca se gabara de sua beleza ou zombara da irmã inferior. Ela não podia evitar que as cabeças se virassem para fitá-la onde quer que caminhasse, não mais do que poderia reverter as marés. Fiz as pazes com isso, e, para falar a verdade, não ansiava por carregar o peso de sua atração lendária.

— Menelau… — começou ela, pensativa, demorando-se nas sílabas do nome. Então deu de ombros, retorcendo um cacho macio nos dedos, para a irritação visível de uma das criadas, cujas atenções cuidadosas não tinham produzido nada parecido com a elasticidade e o brilho daquele gesto casual. — Talvez houvesse outros mais ricos ou mais belos. Mais ousados, sem dúvida. — Ela ergueu o lábio de leve, talvez pensando na subcorrente de violência invisível pulsando pelo salão enquanto os pretendentes olhavam uns aos outros. — Mas Menelau… parecia diferente.

Ela não precisava de tesouros. Esparta já era rica o bastante. Não precisava de beleza; podia provê-la toda em qualquer parceria. Qualquer homem estava ávido para ser seu marido, como víramos. Então o que minha irmã tinha procurado? Eu me perguntei como ela sabia, que magia tinha faiscado entre eles, o que deixava uma mulher confiante de que um homem específico era o certo. Sentei-me mais ereta, esperando o esclarecimento.

— Acho que… — Ela suspirou enquanto uma garota lhe estendia um espelho com cabo de marfim, cujo verso era belamente entalhado com uma pequena imagem de Afrodite emergindo de sua grande concha. Helena pousou os olhos em seu reflexo, jogou o cabelo para trás e ajustou o diadema de ouro que pousava sobre os cachos. Ouvi um leve arquejo vindo das garotas reunidas, que aguardavam o julgamento dela sobre seus esforços desnecessários. — Acho que — continuou, enquanto concedia a elas um sorriso — ele só estava tão grato.

Hesitei, as palavras que tinha buscado evaporando no ar.

Helena notou meu silêncio e talvez tenha lido alguma censura nele, pois aprumou os ombros e me olhou diretamente.

— Você sabe que nossa mãe foi escolhida por Zeus — disse ela. — Uma mortal bela o bastante para atrair sua atenção do topo do monte Olimpo. Se nosso pai não tivesse um temperamento tranquilo e resignado… quem sabe como poderia ter se sentido? Se ele fosse mais como Agamêmnon do que como Menelau, por exemplo.

Enrijeci um pouco. O que ela queria dizer com aquilo?

— Um homem como ele não parece que aceitaria qualquer ofensa sem protestar — continuou ela. — Será que acharia uma honra a esposa ser escolhida ou veria a situação de outra forma? Não sei qual será o meu destino, mas sei que não nasci para não fazer nada. Não sei o que as Moiras têm planejado para mim, mas pareceu… prudente fazer minha escolha com cuidado.

Pensei em Menelau, na adoração em seus olhos quando fitou Helena. Eu me perguntei se ela tinha razão, se ele conseguiria ver as coisas como nosso pai. Se vencer a competição em nosso salão seria uma vitória suficiente, independentemente do que pudesse acontecer depois.

— E, é claro, assim eu posso ficar em Esparta — acrescentou ela.

Por isso, eu realmente estava grata.

— Então está acertado? Vocês viverão juntos aqui?

— Menelau pode ajudar papai a governar Esparta — disse Helena. — E, claro, papai pode ajudá-lo também.

— Como?

— O quanto você sabe sobre ele e Agamêmnon? — perguntou Helena. — E Micenas?

Balancei a cabeça.

— Ouvi histórias sobre a família. As mesmas que você. A maldição dos ancestrais, pais matando filhos, irmãos se voltando uns contra os outros. Mas está tudo no passado, não está?

— Não totalmente. — Helena afastou as garotas ao seu redor com um gesto, e se inclinou com um olhar cúmplice. Senti um arrepio de empolgação. — Eles vieram de Cálidon, sabia?

Assenti.

— Mas essa não é a casa deles. Eles moravam lá com o rei, que lhes deu hospitalidade, mas não pôde dar o que realmente precisam. O que papai pode oferecer.

— Que seria?

Ela sorriu, encantada em ser a pessoa a transmitir algo emocionante.

— Um exército.

— É mesmo? Para quê?

— Para recuperar Micenas. — Helena jogou a cabeça para trás. — Eles vão tomar de volta o que é deles. O tio matou o pai deles e os exilou quando eram crianças. Agora eles são homens e têm o apoio de Esparta.

Até aí eu conhecia a história. Menelau e Agamêmnon eram filhos de Atreu, cujo irmão, Tiestes, o tinha matado pelo trono e expulsado seus filhos. Imagino que ele só tivera misericórdia suficiente para não querer o sangue de crianças em suas mãos. Era esse o crime pelo qual a família tinha sido amaldiçoada pelos deuses gerações antes: o crime de Tântalo.

Talvez não seja surpreendente que Menelau tenha intrigado Helena, pensei. A velha lenda da família era algo que ouvíramos antes, uma história pavorosa de arrepiar, mas parecia distante da realidade. Agora, ela estava um passo mais perto — dois irmãos buscando justiça, curando as feridas de uma família torturada com um último ato.

— Menelau não vai querer voltar para Micenas, então? — perguntei.

— Não, Agamêmnon tomará Micenas — disse Helena. — Menelau está contente em ficar aqui.

Então Menelau receberia Helena como seu prêmio, e Agamêmnon ficaria com a cidade. Sem dúvida pareceria um bom negócio aos dois.

— A única questão é o que farão com o garoto.

— Que garoto?

— Egisto — disse Helena. — O filho de Tiestes. É só um garoto, como eles eram quando Tiestes matou o pai dos dois.

— Eles não vão exilá-lo também?

Helena ergueu uma sobrancelha.

— E deixá-lo crescer como eles? Nutrindo os mesmos sonhos? Agamêmnon não vai querer arriscar.

Estremeci.

— Mas ele certamente não vai matar um menino, vai?

Eu podia entender a lógica brutal por trás disso, mas não conseguia imaginar os jovens que tinha visto naquele salão enfiando uma espada em uma criança chorosa.

— Talvez não. — Helena levantou-se, alisando o vestido. — Mas não vamos mais falar de guerra. Afinal, é o dia do meu casamento.

Mais tarde, fugi das celebrações. Elas continuariam a noite toda, horas a fio de banquetes e bebedeira, mas eu estava cansada e me sentia estranhamente desanimada. Não tinha vontade de me esquivar dos nobres cada vez mais bêbados de Esparta; os generais, geralmente austeros e severos, ficando com o rosto vermelho e a língua solta, suas mãos desajeitadas tateando como os tentáculos de um polvo. Todos estavam cheios de autocongratulações pela aliança e o juramento feito por todos os homens importantes da Grécia para defender o prêmio de Menelau. A lealdade deles estava atada a Esparta.

Caminhei até a margem do rio. Largo e preguiçoso, o Eurotas serpenteava através da cidade até o distante porto ao sul, que era o único jeito de qualquer invasor estrangeiro nos alcançar. Dos outros lados, as grandes montanhas de Taígeto e Parnão assomavam a oeste e leste, enquanto os planaltos do norte eram igualmente impenetráveis a qualquer exército. Estávamos aconchegados em nosso vale, protegidos e fortificados contra qualquer um que pudesse vir com a intenção de nos saquear por causa da riqueza e das lindas mulheres que nos davam fama. E agora a mais linda delas tinha um exército a postos para se levantar em sua honra contra qualquer inimigo. Não era à toa que os homens relaxavam e bebiam tanto naquela noite.

Fogueiras de sinalização ardiam pelo vale, chamas fortes na escuridão proclamando a importância do dia. Fumaça subia de cada templo, carregando o sabor dos bois brancos cujas gargantas foram cortadas, levando-o até os olimpianos através do céu preto.

Eu tinha reparado que só Agamêmnon se mantinha à parte das celebrações; sem dúvida estava preocupado com a invasão iminente a Micenas. E o novo marido de Helena iria embora dali a poucos dias, para lutar ao lado do irmão. Eles tinham um exército, e eu sabia que soldados espartanos eram renomados por sua habilidade e ferocidade. Havia pouco motivo para preocupação. Mas no fundo da minha mente havia um pensamento insidioso e traidor: se a batalha não terminasse a favor dos irmãos, se eles não voltassem, nada precisaria mudar. Helena e eu poderíamos viver um pouco mais como sempre fizéramos.

Balancei a cabeça, como se pudesse desalojar a ideia. Tudo mudaria, ainda mais. Cem homens vieram para se casar com ela, o próximo tomaria o lugar de Menelau em um instante.

E então eu o vi, meio oculto nas sombras.

Ele virou a cabeça no mesmo momento e nossos olhos se encontraram. Vi a surpresa e a confusão dele, um espelho das minhas.

— Não percebi que havia mais alguém aqui fora — disse ele, fazendo menção de se retirar.

— Por que não está lá dentro? — perguntei.

Eu não tinha dirigido uma palavra a Agamêmnon até o momento e certamente não deveria entabular uma conversa privada com ele na escuridão, longe de todos. Mas algo na imobilidade da noite, nas risadas altas flutuando do palácio, na sensação de que tudo que conhecíamos até agora estava prestes a acabar, de um jeito ou de outro, me tornou imprudente.

Ele hesitou.

— Não quer comemorar com seu irmão?

As sobrancelhas pesadas dele estavam unidas. Ele parecia cansado e relutante a falar.

Suspirei, impaciente.

— Ou vai esperar até conquistarem Micenas?

— O que sabe sobre isso?

Foi uma pequena vitória levá-lo a responder. Uma brisa ondulou sobre a água, e senti um anseio de repente por algo que não conseguia nomear. Tanta coisa estava acontecendo — casamentos e guerra — e nada disso me envolvia.

— Sei o que Tiestes fez a seu pai e a vocês — respondi. — Como roubou seu reino.

Ele deu um aceno breve. Pude ver que estava prestes a se afastar e voltar para dentro.

— Mas o que vai fazer com o garoto? — perguntei.

Agamêmnon olhou para mim, incrédulo.

— O garoto?

— O filho de Tiestes — respondi. — Vai deixá-lo viver?

— O que isso tem a ver com você?

Eu me perguntei se tinha ido longe demais, se o tinha genuinamente chocado. Tudo naquela conversa estava errado. Mas agora eu já tinha começado.

— É um exército espartano que você vai levar. O que quer que faça, também é feito no nome de Esparta.

— O exército do seu pai. O exército de Menelau.

— Só me pareceu errado.

— Para você. Mas pode ser perigoso deixar um filho crescer com vingança no coração. — Ele estava olhando para o rio, toda sua postura irradiando desconforto, mas olhou para mim por um breve momento. — Há uma maldição na minha família; ela tem que acabar.

— Pode acabar assim? E se enfurecer os deuses ainda mais?

Ele balançou a cabeça, dispensando minhas palavras.

— Você quer ser misericordiosa — disse ele. — É uma mulher. Mas a guerra é um assunto de homens.

Eu me irritei com isso.

— Você tem Esparta — apontei. — Vai conquistar Micenas. E todos aqueles homens no salão, todos os guerreiros, governantes e príncipes que vieram atrás da minha irmã, todos eles juraram lealdade a seu irmão. Você tem a chance de unir tantos reinos atrás de si. O poder lhe pertencerá. Então como um menino pode ser uma ameaça, por mais vingativo que se torne? O que ele poderia fazer contra você? Com tantos homens sob seu comando, você certamente poderia ser o maior de todos os gregos.

Isso captou a atenção dele.

— Um ponto interessante — respondeu, pensativo. — O maior de todos os gregos. Obrigado, Clitemnestra.

E então, logo antes que ele sumisse por entre as colunas rumo aos sons de festa que vinham do palácio, eu vi só o vislumbre de um sorriso, finalmente curvando sua boca severa.

2

Cassandra

Toda palavra que digo é importuna. Minha garganta vive arranhada, pois as palavras são arrancadas de mim quando toco em alguém, quando olho a pessoa nos olhos e vejo a verdade branca e ofuscante. Minhas profecias rasgam minhas entranhas, mas ainda vêm, indesejadas, mesmo enquanto eu tremo com as consequências. Meus ouvintes me amaldiçoam, me rechaçam, dizem que estou louca e então riem.

Porém, quando criança, eu não conseguia ver o futuro. Preocupava-me apenas com o presente, com minha boneca mais querida e como enfeitá-la melhor — pois mesmo ela podia ser embrulhada nos tecidos mais ricos e adornada com minúsculas joias. Meus pais eram Príamo e Hécuba, rei e rainha de Troia, e nossos luxos eram lendários.

Minha mãe, porém, tinha visões. Um clarão ofuscante de conhecimento, concedido sem dúvida por um dos muitos deuses que sorriam para nós e nos ajudavam a evitar infortúnios. Talvez o próprio Apolo, pois dizia-se que ele amava minha mãe como uma de suas favoritas. Ela gerou muitos filhos para meu pai, e ele teve muitos outros com suas concubinas. Quando a barriga dela crescia com mais um, nós nos preparávamos para uma alegria familiar. Quando chegava a hora do parto, minha mãe se acomodava para dormir, antecipando como de costume sonhos agradáveis sobre o que seria a nova criança.

Não desta vez. Aos sete anos, fui despertada por gritos estridentes que cortavam a noite e congelaram meus pequenos ossos até a medula. Corri até onde ela se agachava, as parteiras disparando pelos corredores com medo de que algo tivesse dado terrivelmente errado.

Embora o suor colasse seu cabelo à testa e ela ofegasse como um animal caçado, não eram as dores do parto que a atormentavam. Afastando as mãos atenciosas que tentavam apaziguá-la durante o trabalho que ainda não tinha começado, ela chorava com uma desolação e um desespero que eu nunca tinha ouvido em minha vidinha mimada.

Recuei. O quarto estava cheio, confuso com o caos de mulheres, e pairei incerta nas sombras das tochas finas que as mulheres acenderam. As chamas laranja tremeluziam e se retorciam, e, nas paredes de pedra, formas escuras e monstruosas davam piruetas grotescas com seu ritmo sinuoso.

— O bebê — arquejou minha mãe.

A violência da emoção que a tomara parecia estar passando. Ela suportou os cuidados das mulheres, mas, quando elas a recostaram no sofá, suavemente assegurando-lhe que o bebê não estava chegando e que tudo estava bem, ela balançou a cabeça e lágrimas escorreram pelo seu rosto. Com as olheiras profundas e aqueles fios de cabelo rebeldes, ela não parecia minha mãe.

— Eu o vi, eu o vi nascido — disse ela, rouca. Quando as mulheres murmuraram que era só um sonho e nada com que se preocupar, eu vi sua dignidade imperial retornar. Ela as silenciou com um gesto. — Meus sonhos não são apenas sonhos. Todos sabem disso.

Um silêncio caiu no quarto. Não me mexi. A parede de pedra às minhas costas gelava minha pele, mas fiquei imóvel contra ela. No centro iluminado a fogo do círculo assustador, minha mãe continuou:

— Eu o empurrei para o mundo como os bebês que pari antes dele. Senti a queimação da pele mais uma vez, e conhecia essa dor e sabia que podia suportá-la de novo, como já fiz antes. Só que foi diferente desta vez. A queimação, ela parecia… — Ela hesitou, e vi os nós de seus dedos se tensionarem enquanto apertava as mãos. — O clarão do nascimento dele queimou por mais tempo e com mais força do que eu poderia ter imaginado. Senti bolhas brotarem em minha pele, e senti o cheiro da minha pele chamuscada e escurecida. — Ela engoliu, um som duro no silêncio. — Ele não era um bebê, mas uma tocha daquelas para segurar, a cabeça uma chama ardente, e ao meu redor só havia fumaça, consumindo tudo.

Senti a tensão, a crescente maré de ansiedade no quarto. Os olhos das mulheres pousaram na barriga da minha mãe.

— Talvez tenha sido só um sonho — arriscou uma delas. — Muitas mulheres temem o parto; pesadelos não são incomuns nesse período…

— Eu pari uma dúzia de filhos — disparou minha mãe. Seus olhos escuros se fixaram na falante infeliz. — Não tenho medo de dar à luz mais um. Mas esse… não sei dizer se sequer é um bebê.

O terror inundou o quarto. Os olhos das mulheres voaram entre si, procurando uma resposta.

— Esaco! — falou uma delas, decisivamente, a voz reverberando aguda e subitamente da pedra. — O vidente. Pediremos ao vidente que interprete seu sonho, rainha Hécuba. Talvez, em um período como esse, o verdadeiro sentido do seu sonho esteja oculto até da senhora. Perguntaremos a Esaco, e ele nos contará o que significa.

Todas assentiram; murmúrios de concordância soaram pelo quarto. Qualquer coisa, as mulheres pareciam querer qualquer coisa que tiraria o choque vidrado dos olhos de sua rainha. Qualquer chance de que o vidente poderia mudar o que ela vira em sua visão.

Ele foi convocado ao salão do trono. As mulheres colocaram um vestido sobre o corpo inchado de minha mãe e a guiaram dos seus aposentos. Ninguém prestou atenção em mim, então as segui a tempo de observá-la se sentar no trono ao lado do meu pai, que tinha sido tirado da cama, o rosto vincado com preocupação e angústia. Ele segurou a mão de minha mãe enquanto Esaco avançava.

O rosto do vidente estava liso e inexpressivo. Sua idade deveria estar entalhada na pele com rugas; em vez disso, a pele estava esticada sobre o crânio, fina e frágil como papel. Seus olhos eram leitosos, uma película obscurecendo a cor que um dia tiveram. Eu me perguntei como ele enxergava com aquela camada turva, mas talvez não importasse se o mundo físico estivesse borrado, pois ele via o mundo além como se fosse um cristal.

Minha mãe explicou o sonho para ele. Ela tinha se recomposto, e a voz mal falhava a ponto de revelar sua tensão.

O vidente ouviu. Quando ela se calou, ele não disse nada. Todos os olhos estavam fixos nele enquanto cruzava o grande salão. De um suporte de pedra, ele tirou uma das tigelas de bronze com chamas que iluminavam o salão cavernoso e a colocou no chão. Madeira resinosa queimava dentro dela, lançando uma luz tremeluzente sobre as cenas pintadas na parede atrás, transformando os lobos que adornavam o afresco em monstros à espreita. Esaco cutucou as chamas com seu cajado, empurrando a madeira sobre a boca das chamas até que fosse consumida com um chiado, um fio de fumaça cinza emplumando-se das brasas enfraquecidas. Seu rosto estava sombrio. Enquanto o observava, uma brisa sussurrou através das colunas de pedra e agitou as cinzas no fundo da tigela.

As cinzas se assentaram. Pensei no sonho de minha mãe: no bebê com uma cabeça de fogo ardente. O rosto do vidente era inexpressível enquanto sufocava as chamas.

— Este príncipe vai destruir a cidade — disse ele. Sua voz era suave, como um eco espiralando das profundezas de uma caverna, mas muito fria. — Se permitirem que ele cresça, vejo Troia consumida pelo fogo, um fogo que ele está destinado a começar. A criança não pode viver.

Ninguém o questionou. Parecia que ele confirmava o que Hécuba já sabia; o motivo pelo qual acordara gritando do seu pesadelo. E, no fim das contas, esse bebê seria um dos muitos filhos de Príamo, que também tinha diversas filhas. Perder uma criança entre tantas para salvar a cidade da ruína talvez fosse um preço que valesse pagar.

Mas nem meu pai nem minha mãe conseguiram pagá-lo. Quando meu irmão, Páris, nasceu, eles não suportaram lançar o pequeno bebê dos muros altos de Troia, ou sufocá-lo com um fino pedaço de tecido, ou mesmo deixá-lo na encosta vazia de uma montanha e dar-lhe as costas. Em vez disso, eles o entregaram a um pastor; disseram a ele para deixar a criança ser levada pelo ar frio da noite ou pelos dentes e garras vorazes de qualquer animal selvagem que estivesse passando.

Eu me pergunto se eles contaram ao pastor por que ele tinha que fazer isso. Se ele sabia que Troia estaria perdida se não endurecesse o coração contra aquele choramingar indefeso. Eu me pergunto se ele tentou; se deixou o bebê na encosta coberta de vegetação rasteira, se deu um passo e mais um, antes de se virar. Será que ele olhou para o narizinho de Páris, sua cabeça lisa, seus braços macios esticados em busca de conforto, e dispensou as palavras do vidente como bobagem e superstição? Talvez tenha se perguntado como um bebê poderia derrubar uma cidade. Talvez a esposa fosse estéril, seu lar nunca abençoado com filhos. Talvez ele pensasse que, se mantivesse Páris fora dos muros da cidade e o criasse como nada mais que um pastor de cabras, Troia ficaria a salvo. Suas grandes torres de pedra, seus imponentes portões de carvalho trancados com ferro, sua riqueza e seu poder deveriam ter parecido inexpugnáveis.

Meu irmão viveu em segredo. Uma criança indefesa se tornou um rapaz sem que nenhum de nós sequer sonhasse com sua existência nas montanhas fora de Troia. Ninguém falou de novo sobre o pesadelo de Hécuba, e aquela noite toda teria assumido a qualidade de um sonho também, exceto que eu me lembrava da pedra arranhando minhas costas enquanto me afastava lentamente de Esaco. Não conseguia esquecer a camada leitosa que cobria seus olhos e o aroma de fumaça. A pena que senti por aquele pacotinho macio que dias depois vi ser carregado do quarto de Hécuba por uma escrava às lágrimas, misturada com o alívio por minha mãe não ter sonhado tais sonhos sobre mim.

Tentei falar com ela uma vez sobre o ocorrido, muito tempo depois. Minha voz era tímida e eu via que minha hesitação a irritava. Eu estava curiosa sobre o sonho, o que nele a fizera confiar tão prontamente no vidente, qual magia havia para fazê-la saber que era a verdade. Acho que isso foi insensível, em retrospecto, mas eu estava arrebatada pelo egoísmo da juventude e queria saber.

— Você não estava lá, Cassandra — disparou ela.

Ter minha questão dispensada de imediato me magoou, e minhas faces coraram. Só senti minha dor, sem pensar nem um segundo sobre o que eu estava pedindo que ela lembrasse enquanto insistia, ávida para entender.

— Eu estava — protestei. — Lembro-me de Esaco e do fogo. Lembro o que ele disse.

— Quê? Erga a voz, menina — ordenou ela.

Minha mãe odiava como minha voz era baixa. Quando criança, eu raramente terminava uma frase sem que me dissessem para começar do começo e falar mais alto, mais claro.

Ninguém jamais pede que eu me repita agora.

Balbuciante, tentei descrever o salão e os rituais do vidente, mas ela balançou a cabeça bruscamente.

— Bobagem, Cassandra, você está imaginando coisas de novo — disse ela. Sua rispidez me machucou. Acho que ela reparou na mágoa estampada em meu rosto, porque sua expressão se suavizou; ela pôs o braço ao redor dos meus ombros e me apertou brevemente antes de falar com mais gentileza: — Não foi assim. Esaco levou meu sonho ao oráculo e ouviu a profecia lá. Sua mente está divagando de novo. Você precisa aprender a conter os excessos de sua imaginação. Talvez se passasse menos tempo sozinha…

— Apolo só encontra você quando está sozinha, não é?

Ela recuou e me lançou um olhar duro.

Eu me contorci um pouco, desacostumada a tal escrutínio.

— É isso que você quer? — perguntou ela.

A nota de dúvida em sua voz me perturbou. Por que alguém não iria querer isso? Se a pessoa pudesse ver o futuro, saber o que ia acontecer, se proteger contra ele… por que ela falava como se fosse absurdo querer tal dom?

— É só que… eu sou sua filha. Se os deuses mandam visões para você, eu me perguntei se teriam… se eu teria… — Deixei a frase no ar, perturbada com a preocupação nítida no rosto dela.

— Os deuses têm razões que não podemos saber — disse ela. — Apolo ama Troia, eu sou a rainha. Qualquer visão que venha do deus é pelo bem da cidade. Não é uma dádiva para mim; não é algo que eu busquei. Não cabe a nós pedir por tal coisa.

Senti a verdade me atravessar. Ela era a rainha de Troia; eu nunca seria. Tinha irmãos mais velhos que governariam nossa cidade, e a esposa do que se tornasse rei assumiria o lugar da minha mãe. Talvez essa mulher recebesse as visões da rainha, os sonhos que Apolo mandava pelo bem maior de Troia. Eu me senti tão pequena e tão idiota que quis desaparecer ali mesmo.

— Eu não quis dizer… — comecei, mas minha mãe estava balançando a cabeça. A conversa tinha acabado sem que eu soubesse como dizer o que desejava.

— Vá brincar, Cassandra — disse ela com firmeza, e eu fui.

Mas ninguém me queria por perto, não de verdade. Todas as outras garotas pareciam tão confiantes, tão seguras de si. Eu me sentia como um junco balançando ao vento, nunca ousando dizer em voz alta o que pensava, sem querer enfrentar desdém ou risos. Mas o sonho de Hécuba e o vidente — disso eu tinha certeza. Talvez ela preferisse se lembrar da noite de outra forma, mas eu nunca a esqueceria; estava gravada em mim.

Eu nunca conseguia me fazer entender, mesmo naquela época, e minha mãe era uma mulher ocupada. Ela não tinha tempo para tentar me entender. Se tivesse visto o que eu ia me tornar, se tivesse tido uma visão de mim e não só de Páris, tenho certeza de que teria me lançado nas rochas pessoalmente quando nasci. Mas ninguém revirou as cinzas para ver meu futuro. Ninguém interveio para tentar me impedir de me tornar o que me tornei.

3

Clitemnestra

Enquanto os Atridas não voltavam, eu era consumida pela inquietude. Os dias, os quais sempre tinha sido tão fácil de ocupar, agora pareciam se arrastar, principalmente as tardes.

Penélope já tinha ido encontrar as rochas e as cabras de Ítaca com Odisseu, mas Helena ainda permanecia ali, e tínhamos passado os últimos dezesseis anos juntas em companheirismo. Eu não conseguia entender o que tinha mudado. Imaginava que era toda aquela agitação emocionante que acontecera: a chegada dos Atridas à nossa costa para buscar nossa hospitalidade, depois a reunião dos pretendentes de Helena, e, claro, o casamento da minha prima e da minha gêmea. Talvez as coisas estivessem fadadas a parecer um pouco monótonas depois de tudo isso.

Tornar-se uma esposa não tinha mudado minha irmã. Ela parecia notavelmente tranquila com a ausência do marido, e era frustrante que eu aparentava estar mais preocupada que ela com os irmãos a caminho de Micenas para derrubar o tio usurpador.

— Eles têm os melhores homens de Esparta os apoiando — disse Helena, ignorando minhas preocupações. Ela estava deitada sob o sol à margem do rio, protegendo os olhos do brilho branco da luz refletida na água. — Em breve retornarão vitoriosos.

— Mas você não se preocupa com Menelau? — Eu me apoiei num cotovelo para olhar para ela. — Tiestes tem soldados. Ele tomou o trono de Atreu. Tentará defendê-lo. E se matarem Menelau?

Eu queria ver a pele lisa de sua testa se franzir, ver alguma consternação em seus olhos risonhos. Amava minha irmã mais do que tudo, e se ela tivesse dito que temia pela vida de Menelau, eu teria feito qualquer coisa para apaziguá-la. Mas sua serenidade me irritava, especialmente em comparação com a minha ansiedade, e de repente eu estava desesperada para ver uma rachadura nela.

Ela só sorriu.

— Ele vai voltar — disse. — Não tenho dúvidas.

Eu me deitei de volta. O sol brilhava forte demais e as montanhas que nos cercavam dos três lados pareceram de repente se pressionar muito perto. Fechei os olhos. Ansiava que fosse noite, que a tarde infinita acabasse por fim. Quando a noite caísse, eu sabia que ansiaria pela aurora.

— E quando os irmãos voltarem — disse ela, com um tom provocador —, você sabe se papai tem planos para você e Agamêmnon?

Ela não temia fazer perguntas diretas. Seu charme era sua franqueza, sua ousadia, e nada que ela dizia parecia impertinente ou chocante. Talvez fosse o riso que sempre borbulhava no fundo de sua voz e a centelha em seus olhos que fazia tudo que dizia parecer leve e despreocupado. Ela nunca temia uma censura ou uma palavra afiada. Certamente nunca hesitou em me cutucar.

Peguei uma pedrinha na margem do rio. Suas curvas lisas cabiam certinho na minha palma, e fiquei a virando na mão.

— Espero que Menelau e ele corrijam a injustiça que foi cometida contra eles.

Eu não tinha contado a ela sobre a conversa estranha e abrupta que tivera com Agamêmnon à beira-rio na noite do seu casamento. Assunto nenhum era proibido entre nós, mas ela era uma mulher casada, e eu, ainda uma garota. Eu sentia uma timidez estranha.

— Diga — incentivou ela. — O que acha dele?

Com Penélope e Helena casadas tão rápido uma depois da outra, eu sabia que era só questão de tempo até Tíndaro achar um marido para mim. Ele era um pai benevolente, feliz em deixar Helena fazer sua escolha, e eu nunca temera o dia em meu futuro em que ele falaria do meu casamento. Minha irmã e minha prima pareciam satisfeitas com o próprio destino, e eu sempre tinha esperado sentir o mesmo. Mas agora, quando pensava em um príncipe visitante chegando a nossos salões para me buscar, não sentia mais aquele arrepio agradável de expectativa. E se fosse levada a uma terra distante, algum lugar estranho e afastado de tudo que conhecia? E se esse homem não se importasse com o que eu pensava e dizia, só com meu nascimento e meu sangue e a fortuna que meu pai podia lhe dar?

Agamêmnon e o irmão tinham certo charme, eu não podia negar, chegando do seu exílio injusto e partindo corajosamente para retomar o que lhes pertencia.

Além disso, Helena escolhera Menelau dentre cem homens. Se ela estava feliz com ele, talvez eu pudesse confiar em sentir o mesmo com o irmão dele. Seria melhor que depositar minha confiança na gentileza de um completo estranho, não?

— Só pense — continuou ela — como seria bom se nós, irmãs, nos casássemos com irmãos.

Observei o rio fluindo para o mar. Não tinha a confiança de Helena de que o futuro seria sempre tão ensolarado quanto o passado.

Mas e se os planos de nosso pai não dessem em nada? Imaginei meu futuro nesse caso. Será que toda tarde se arrastaria como aquela, uma sequência monótona de dias até um pretendente diferente descer de um navio e fazer uma proposta para mim?

Helena tinha libertado uma enxurrada de perguntas em minha mente. Todos os dias eu observava o fluxo sinuoso do rio até o distante porto ao sul, esperando ver o navio dos irmãos.

As semanas se passaram até que, por fim, em uma manhã, o grito se ergueu e ecoou por todo o rio enquanto os vigias bradavam de um posto a outro:

— Os Atridas retornaram!

Helena e eu trocamos um olhar rápido de pânico, minha controlada irmã perdendo o prumo por um momento. Corremos aos portões do palácio para esperar por eles, e ela pegou minha mão.

De repente, lá estavam, seguindo ao longo do rio em nossa direção. O sol refletia no tom ruivo do cabelo de Menelau, e me lembrei de quando nos conhecemos. A diferença era que agora Agamêmnon não fitava o chão com raiva, mas mantinha a cabeça em pé, com o rosto franco e nítido.

O reencontro de Helena e Menelau foi alegre e eu mantive distância do abraço deles. Nosso pai estava um pouco atrás de nós, segurando a mão de Agamêmnon, com uma série de palavras, boas-vindas e parabenizações.

O rosto de Agamêmnon tinha se transformado. Nada de seriedade, de caretas. Era uma grande diferença vê-lo com o peso tirado dos seus ombros.

— Tiestes está morto — disse ele, uma nota silenciosa de entusiasmo correndo por suas palavras. — Mas seu filho, Egisto, vive. — Ele me lançou um breve olhar. — Os deuses podem ficar satisfeitos que nenhum sangue inocente foi derramado.

Talvez fosse isso. A maldição que atormentava sua família fora quebrada por fim. Talvez isso explicasse a diferença em Agamêmnon.

Eu dera rédeas soltas à imaginação enquanto ele estava longe; agora ele estava diante de mim, em carne e osso. Talvez um pouco mais baixo do que eu me lembrava, suas feições mais pesadas. Ainda assim, a suavização de seu humor tivera um efeito maravilhoso. Ele não tinha o nariz e a mandíbula delicadas que um escultor adoraria entalhar em mármore, mas me lembrava de uma pele de urso que meu irmão tinha caçado uma vez. Ele a carregara para casa como um testemunho de sua proeza, com a cabeça intacta, o rosto ainda congelado em um rosnado, antes que fosse cortado em peles para Helena e eu nos aconchegarmos no frio das noites de inverno. Algo nas sobrancelhas eriçadas de Agamêmnon me lembrava do animal. Helena ficou com medo do urso, mas eu ficara intrigada ao pensar que tão recentemente ele tinha vagado pelas montanhas, livre e selvagem, e agora eu podia estender a mão e acariciar seu pelo.

Os olhos de Agamêmnon encontraram os meus de novo antes que meu pai entrasse entre nós, jogando um braço ao redor do ombro dele, incentivando-o a entrar, prometendo um bom vinho e celebrações. O rosto de Agamêmnon se abriu num sorriso.

Os homens foram na frente — Menelau relutante em soltar a mão da esposa, mas puxado por meu pai exultante. Helena e eu nos viramos para segui-los. Ela me puxou para perto enquanto caminhávamos, o perfume doce e suave do seu cabelo contra meu rosto, minhas incertezas esquecidas pelo momento, obliteradas pelo triunfo do retorno vitorioso deles.

Imagino que a vitória o deixou mais ousado, pois não hesitou em me encontrar mais tarde naquela noite enquanto as celebrações prosseguiam. Desta vez, ele não se escondeu nas sombras, segurando meu braço com uma leveza que parecia quase brincalhona enquanto me convidava para caminhar no pátio, longe do calor do grande salão.

Hesitei, não sabendo bem como recusar. Uma coisa era encontrá-lo lá fora por acaso, como antes, outra era ir de propósito com ele a algum lugar isolado. Ele viu minha relutância e se inclinou para perto.

— Seu pai permitiu.

Eu o acompanhei. Achei que fosse o momento, e ainda não sabia bem o que dizer. Lá fora, no pátio, a lua brilhava cheia e forte contra os pilares pintados.

— Eu voltarei a Micenas amanhã — disse ele.

Esperei que continuasse. Eu o observara a noite toda enquanto bebia e celebrava com os outros, e me perguntara se havia algo diferente nele, no fim das contas. Descobri que sentia falta de sua solenidade, do fardo que ele carregara antes. Talvez eu não quisesse um herói conquistador gritando sobre sua vitória; eu preferia a angústia atormentada do exílio.

— Espero… — Ele limpou a garganta. — Espero que, se eu a chamar, você venha.

— A Micenas? — perguntei. — Por qual motivo?

A ponta das orelhas dele corou sob os cachos espessos e escuros.

— Eu não podia procurar uma esposa antes de reivindicar meu trono — disse ele. — Mas agora que o fiz… pedi a seu pai, e ele ficaria contente com nosso casamento.

Eu me sentia estranhamente calma, parada no ar frio da noite. Olhei para o homem diante de mim, rei de sua própria cidade, nascido em uma família intrigante, o irmão do escolhido de minha irmã, e o homem que meu pai escolhera para mim. Podia ser pior, pensei.

Meu pai estava ansioso para consolidar suas alianças, e eu sentia toda Esparta zumbir com um burburinho contente enquanto os preparativos para minha partida a Micenas estavam em curso. Eu podia ver que Agamêmnon e meu pai concordavam que a influência e o poder de ambos só poderiam ser fortalecidos pela amizade entre Micenas e Esparta, que o resto da Grécia certamente se curvaria ao poderio combinado. Parecia que todo o Peloponeso pertenceria a nós.

— Nós nos veremos em breve — jurou Helena quando nos abraçamos apertado no convés de madeira rangente.

Embora eu soubesse que ela buscava consolar a si mesma, não pude deixar de sentir que aquilo era improvável. A distância não era grande, mas eu sabia que nossas visitas seriam esparsas. As extensas montanhas arcadianas se ergueriam entre nós. Além disso, nunca tínhamos passado sequer um dia separadas. Mesmo se demorasse apenas alguns meses antes de nos vermos de novo, era um tempo inimaginável.

O ar estava frio contra meu rosto úmido enquanto as velas batiam e inflavam atrás de mim. Agamêmnon me garantiu que chegaríamos rápido, pois os ventos estavam bons e a nosso favor. Retorci as mãos, sentindo a ausência dos dedos de Helena entrelaçados com os meus enquanto os gritos dos remadores se erguiam e o navio lentamente zarpava sobre as ondas de cristas brancas. Podia ler o triunfo no rosto do meu pai, imponente e régio no porto, assistindo à nossa partida. O rosto de Helena estava escondido no ombro de Menelau, mas conforme os remos cortavam a espuma, ela ergueu os olhos para mim e vi seu rosto brilhando, radiante e orgulhoso. Eu tinha me acostumado tanto à sua beleza que nem a notava mais, até que, em um momento como aquele, ela tirava meu fôlego em um segundo. Seu sorriso foi a última coisa que vi enquanto me debruçava na amurada de madeira, acenando freneticamente, sem dignidade alguma, metade risadas, metade lágrimas.

4

Cassandra

Desconfortável, troquei o peso dos pés enquanto esperava, o vapor que subia da água quente fazendo meu vestido se colar à pele. Minha irmã, Laódice, reclinava-se luxuosamente na banheira, o cabelo enrolado no topo da cabeça, os olhos sonhadores, enquanto as escravas andavam de um lado para o outro, concentradas nos preparativos. Minhas pálpebras pesavam; eu estava cansada após o banquete tardio na noite anterior e ansiava por fechá-las. Tínhamos acordado ao amanhecer: nosso pai tinha oferecido um cordeiro branco em sacrifício a Hera, buscando suas bençãos para o casamento de Laódice. Ainda havia muito a ser feito naquele dia e eu já ansiava pelo conforto silencioso da minha cama.

Um puxão no meu vestido me assustou. Lá estava minha irmã, a pequena Políxena, com as bochechas redondas coradas do calor, seus olhos grandes fixos na banheira, intrigada com aquele dia cheio de novidades.

— Como vai ser o casamento? — perguntou de novo, no mínimo pela décima segunda vez.

Suspirei, não querendo explicar tudo de novo.

— Não sei.

Ela apertou os lábios, irritada por não ter sua vontade atendida.

— Por que as pessoas se casam? — tentou de novo.

— Definitivamente não sei.

Minha mãe passou depressa, estalando a língua.

— Você saberá com o tempo, Cassandra. Será sua vez em breve.

Enrubesci. Havia uma abundância de príncipes e princesas em Troia, e meus pais não precisavam que eu lhes fornecesse mais netos. Ainda assim, a perspectiva de um marido pairava sobre meu futuro. Minha irmã mais velha, Ilione, tinha se casado no ano anterior. Agora era a vez de Laódice, e eu me preocupava que seus pretendentes decepcionados poderiam voltar a atenção para mim. Helicaon, o noivo de Laódice, parecia inofensivo, mas isso era o melhor que eu podia dizer sobre ele. A ideia de passar um momento a sós com ele ou qualquer outro homem me enchia de pavor. Eu não tinha a facilidade nas conversas ou o charme de minhas irmãs. Era considerada estranha de forma geral — calada e desajeitada, alguém que tendia a acabar com as conversas.

Uma grande agitação começou para tirar Laódice do banho, secá-la, vesti-la e pôr seu véu. Fiquei para trás, torcendo para que não me pedissem para dar qualquer opinião.

Não pediram. Pairei nas margens do salão o dia todo, observando os convidados socializando livremente, Laódice bela e radiante, minha mãe e meu pai aceitando orgulhosos os parabéns. Sentia náusea só de me imaginar no centro de uma cena daquelas. A única paz que tinha sentido o dia todo fora no templo, ao amanhecer, espalhando cevada antes que o sacerdote erguesse sua faca.

Eu ainda cobiçava o segredo dos sonhos da minha mãe, embora a lembrança daquela noite distante me causasse repulsa. Era isso que eu queria; não um casamento, não um marido ou filhos. E então me ocorreu: Apolo tinha o dom da profecia; ele ainda poderia concedê-lo a seus seguidores mais devotados. Servir a Apolo era um chamado nobre. Seria uma rota conveniente para uma filha inconveniente.

Contei a Hécuba e Príamo no dia seguinte. Eles não fizeram objeção à minha escolha. A luz gloriosa e dourada do potente deus-sol fazia nossa cidade cintilar, pois a cidade de Troia era tão amada por Apolo quanto ele era por nós. Mas quando queimei incenso aos pés da estátua e cortei a garganta dos animais sacrificiais que sangraram em sua homenagem, não era por sua radiância por seus poderes de cura, nem pela música melodiosa de sua lira, que eu ansiava. Quando fiz o juramento para me tornar sua sacerdotisa, eu não temia aquele terrível privilégio divino de ver o que estava por vir. Como sacerdotisa, eu não teria filhos, nenhum bebê que seria obrigada a abandonar em uma montanha desolada, então não temia o que ele poderia me mostrar. Se eu recebesse o dom de ver o tipo de coisa que minha mãe via — talvez até mais do que ela —, então poderia não abaixar a cabeça e murmurar; minha voz seria, por fim, clara e corajosa. Se eu pudesse falar a vontade dos deuses e enxergar o próprio tecido do destino, poderia exigir atenção e respeito. Do fundo do coração, era o que eu queria. Ser algo mais que eu mesma; falar com as palavras de outra pessoa em vez das minhas.

Eu era obediente, era devotada. Sabia que Apolo me veria em seu templo todos os dias, sua criada dedicada, e confiava que seria recompensada pela minha devoção.

O dia em que aconteceu começou como qualquer outro. Eu não fazia ideia do que estava por vir. Caminhei na praia antes do amanhecer, depois fui ao templo como sempre fazia. Cantei no altar e pendurei flores no pescoço da estátua dele em seu centro, minha cabeça anuviada pelos óleos fragrantes queimando em pratos e o aroma rico do vinho que verti para ele. A paz silenciosa do interior escuro era um santuário para mim, um lugar de paz. O lugar ao qual eu pertencia mais do que qualquer outro em Troia.