MEDITAÇÕES - Marco Aurélio - Marco Aurelio - E-Book

MEDITAÇÕES - Marco Aurélio E-Book

Marco Aurelio

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Beschreibung

Marco Aurélio Antonino (in Latin: Marcus Aurelius Antoninus), conhecido como Marco Aurélio, foi um imperador do Império Romano de 161 até o ano de sua morte em 180. Ele foi o último dos chamados Cinco Bons Imperadores. A grande obra de Marco Aurélio, "Meditações", escrita em grego helenístico durante as campanhas da década de 170, ainda é considerada um monumento ao governo perfeito. Geralmente, é descrita como uma obra escrita de maneira requintada e com ternura infinita, um tesouro filosófico. Essas reflexões profundas, escritas como notas pessoais, oferecem uma visão íntima dos pensamentos de Marco Aurélio sobre a vida, o dever, a moral e a mortalidade. Não foram destinadas à publicação, mas como um exercício de auto aperfeiçoamento. "Meditações" é uma bússola de sabedoria prática que transcende os séculos, inspirando leitores em busca de orientação filosófica e conselhos para uma vida plena e significativa.

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Marco Aurélio

MEDITAÇÕES

Primeira edição

Sumário

Sobre o autor e sua obra

LIVRO 1

LIVRO 2

LIVRO 3

LIVRO 4

LIVRO 5

LIVRO 6

LIVRO 7

LIVRO 8

LIVRO 9

LIVRO 10

LIVRO 11

LIVRO 12

Sobre o autor e sua obra

Marco Aurélio

Marco Aurélio é uma das figuras mais importantes do estoicismo. O filósofo imperador, nascido no ano 121 d.C., foi discípulo de Apolônio e Rústico, considerado o sucessor direto de Epiteto. Pouco depois da morte de seus mestres e de sua coroação em 160 d.C., Marco Aurélio se vê imerso em um mundo de guerras, intrigas, traições e pestes. Passando a maior parte de sua vida no front de batalha, longe de casa, enfrentando inúmeras crises políticas e com poucas pessoas em quem confiar, qual caminho o Imperador Estoico escolhe? A serenidade da Filosofia.

Assim nascem as 'Meditações', um conjunto de pensamentos que Marco Aurélio se esforça para escrever todas as noites, para avivar os ensinamentos estoicos em seu espírito. 'Meditações' é uma das poucas obras estoicas que foram preservadas, mas por muito pouco. Como Marco Aurélio não tinha a intenção de publicá-la, provavelmente ficou guardada após sua morte e foi encontrada por algum parente. Por muito tempo desconhecida para o grande público e estudiosos, foi "descoberta" empoeirada na biblioteca do Vaticano por volta de 1559.

Dado que eram escritos pessoais, muito comuns naquela época, o livro nem mesmo tinha um nome. Poderia ser classificado como 'Hypomnemata', que em grego significa algo como "reflexões pessoais" ou "anotações para mim". Mas as 'Meditações' de Marco Aurélio não são um livro comum, são um exercício espiritual. Ou seja, servem para lembrar diariamente ao imperador os fundamentos do estoicismo: Física, Lógica e Ética. Os dogmas do estoicismo são constantemente reescritos para mantê-los vivos na mente e de fácil acesso em momentos de dificuldade.

"As 'Meditações' de Marco Aurélio são um tesouro filosófico. Essas reflexões profundas, escritas como notas pessoais, oferecem uma visão íntima dos pensamentos de Marco Aurélio sobre a vida, o dever, a moral e a mortalidade. Não estavam destinadas à publicação, mas como um exercício de autoaperfeiçoamento. Marco Aurélio praticava o estoicismo, uma escola de filosofia que enfatizava a virtude, a razão e a aceitação tranquila do que não se pode controlar. Nas 'Meditações', ele explora esses princípios, enfrentando os desafios do governo e as complexidades da existência humana. A obra ganhou destaque por sua sinceridade e aplicabilidade atemporal. Oferece insights sobre como enfrentar adversidades, manter a calma em meio à turbulência e viver uma vida ética. É uma bússola de sabedoria prática que transcende os séculos, continuando a inspirar leitores em busca de orientação filosófica e conselhos para uma vida plena e significativa.

LIVRO 1

1. A cortesia e a serenidade, aprendi-as eu, primeiro, com o meu avô.

2. A virilidade sem alardes, aprendi-a com aquilo que ouvi dizer e recordo do meu pai .

3. A minha mãe deu-me um exemplo de piedade e generosidade, de como evitar a crueldade — não só nos atos, mas também em pensamento — e de uma simplicidade de vida completamente diferente daquilo que é habitual nos ricos.

4. Ao meu bisavô fiquei a dever o conselho de que dispensasse a educação da escola e, em vez disso, tivesse bons mestres em casa — e de que me capacitasse de que não se devem regatear quaisquer despesas para este fim.

5. Foi o meu tutor que me dissuadiu de apoiar o Verde ou o Azul1 , nas corridas, ou o Leve ou o Pesado2 , na arena; e me incentivou a não recear o trabalho, a ser comedido nos meus desejos, a tratar das minhas próprias necessidades, a meter-me na minha vida, e a nunca dar ouvidos à má-lingua.

6. Graças a Diogneto3 aprendi a não me deixar absorver por atividades triviais; a ser céptico em relação a feiticeiros e milagreiros com as suas histórias de encantamentos, exorcismos e quejandos; a evitar as lutas de galos e outras distrações semelhantes; a não ficar ofendido com a franqueza; a familiarizar-me com a filosofia, começando por Bacchio e passando depois para Tandasis e Marciano; a redigir composições, logo em pequeno; a ser entusiasta do uso do leito de tábuas e pele, bem como de outros rigores da disciplina grega.

7. De Rústico4 obtive a noção de que o meu carácter precisava de treino e cuidados, e que não me devia deixar perder no entusiasmo sofista de compor tratados especulativos, homilias edificantes, ou representações imaginárias de O Asceta ou de O Altruísta. Também me ensinou a evitar a retórica, a poesia, e as presunções verbais, os amaneiramentos no vestuário em casa, e outros lapsos de gosto deste género, e a imitar o estilo epistolar simples utilizado na sua própria carta a minha mãe, escrita em Sinuessa. Se alguém, depois de se zangar comigo num momento de mau humor, mostrasse sinais de querer fazer as pazes, devia mostrar-me logo disposto a ir ao encontro dos seus desejos. Também devia ser rigoroso nas minhas leituras, não me contentando com as meras ideias gerais do seu significado; e não me deixar convencer facilmente por pessoas de palavra fácil. Por ele, vim também a conhecer as Dissertações de Epicteto, das quais ele me deu uma cópia da sua biblioteca.

8. Apolónio5 convenceu-me da necessidade de tomar decisões por mim mesmo, em vez de depender dos acasos da sorte, e nunca, nem por um momento, perder de vista a razão. Também me instruiu no sentido de encarar os espasmos de uma dor aguda, a perda de um filho e o tédio de uma doença crónica sempre com a mesma inalterável compostura. Ele próprio era um exemplo vivo de que nem mesmo a energia mais impetuosa é incompatível com a capacidade de descansar. As suas exposições eram sempre um modelo de clareza; contudo, era claramente alguém para quem a experiência prática e aptidão para ensinar filosofia eram os talentos menos importantes. Foi ele, além disso, que me ensinou a aceitar os pretensos favores dos amigos sem me rebaixar ou dar a impressão de insensível indiferença.

9. As minhas dívidas para com Sexto6 incluem a bondade, a maneira como dirigir o pessoal da casa com autoridade paternal, o verdadeiro significado da Vida Natural, uma dignidade natural, uma intuitiva preocupação pelos interesses dos amigos, e uma paciência bem-disposta com os amadores e os visionários. A disponibilidade da sua delicadeza para com toda a gente emprestava à sua convivência um encanto superior a qualquer lisonja, e, contudo, ao mesmo tempo, impunha o completo respeito de todos os presentes. Também a maneira como ele precisava e sistematizava as regras essenciais da vida era tão ampla quanto metódica. Nunca mostrando sinais de zanga ou qualquer emoção, ele era, ao mesmo tempo, imperturbável e cheio de bondosa afeição. Quando manifestava a sua concordância, fazia-o sempre calma e abertamente, e nunca fazia alarde do seu saber enciclopédico.

10. Foi o crítico Alexandre7 que me pôs em guarda contra a crítica supérflua. Não devemos corrigir bruscamente as pessoas pelos seus erros gramaticais, provincialismos, ou má pronúncia; é melhor sugerir a expressão correta, apresentando-a nós próprios delicadamente, por exemplo, numa nossa resposta a uma pergunta, ou na concordância com as suas opiniões, ou numa conversa amigável sobre o próprio tema (não sobre a dicção), ou por qualquer outro tipo de advertência.

11. Ao meu conselheiro Fronto8 devo a percepção de que a maldade, a astúcia e a má-fé acompanham o poder absoluto; e que as nossas famílias patrícias tendem, na sua maior parte, a carecer de sentimentos de humanidade.

12. O plantonista Alexandre9 acautelou-me contra o uso frequente das palavras “Estou muito ocupado” na expressão oral ou na correspondência, exceto em casos de absoluta necessidade; dizendo que ninguém deve furtar-se às obrigações sociais devidas, com a desculpa de afazeres urgentes.

13 .O estoico Catulo10, aconselhou-me a nunca menosprezar a censura de um amigo, mesmo quando pouco razoável, mas em vez disso, fazer o possível por voltar a agradar-lhe; a falar pronta e abertamente em louvor dos meus instrutores, como se lê nas memórias de Domítio e Athenodoto; e a cultivar um genuíno afeto pelos meus filhos.

14. Com meu irmão Severo11 aprendi a amar os meus familiares, a amar a verdade e a justiça. Por ele tomei conhecimento de Thraseia, Catão, Helvidio, Dião e Bruto, e familiarizei-me com a ideia de uma comunidade baseada na igualdade e liberdade de expressão para todos, e de uma monarquia preocupada sobretudo em garantir a liberdade dos seus súbditos. Ele revelou-me a necessidade de uma avaliação desapaixonada da filosofia, do hábito das boas ações, da generosidade, de um temperamento cordial, e da confiança no afeto dos meus amigos. Recordo, também, a sua franqueza para com aqueles que mereciam a sua repreensão, e a maneira como ele não deixava dúvidas aos amigos sobre aquilo de que gostava ou que detestava, dizendo-lhe claramente.

15. Máximo12 foi o meu modelo de autocontrole, firmeza de intenções e de boa disposição em situações de falta de saúde e de outros infortúnios. O seu carácter era uma mistura admirável de dignidade e encanto, e todos os deveres inerentes à sua condição eram cumpridos sem alardes. Deixava em toda a gente a convicção de que acreditava no que dizia e agia da maneira que lhe parecia a correta. Não conhecia o espanto ou a timidez; nunca mostrava pressa, nunca adiava; nunca se sentia perdido. Não se entregava ao desânimo nem a uma alegria forçada, nem sentia raiva ou inveja de qualquer poder acima dele. A bondade, a simpatia e a sinceridade, todas contribuíam para deixar a impressão de uma retidão que lhe era mais inata do que cultivada. Nunca se superiorizava a ninguém, e, contudo, ninguém se atrevia a desafiar a sua superioridade. Era, além disso, possuidor de um agradável sentido de humor.

16. As qualidades que eu admirava no meu pai13 eram a sua brandura, a sua firme recusa em se desviar de qualquer decisão a que tinha chegado, a sua completa indiferença às falsas honrarias; o seu esforço, a sua perseverança e vontade de ouvir atentamente qualquer projeto para o bem comum; a sua invariável insistência em que as recompensas devem depender do mérito; o seu hábil sentido de oportunidade para puxar ou soltar as rédeas; e os esforços que fazia para suprimir a pederastia.

Ele tinha consciência de que a vida social tem as suas exigências: os seus amigos não tinham qualquer obrigação de se sentarem à sua mesa ou de o acompanhar nas suas viagens oficiais, e quando eles eram disso impedidos por outros compromissos, isso não lhe fazia qualquer diferença. Todas as questões que lhe eram submetidas em conselho eram examinadas meticulosa e pacientemente; nunca ficava satisfeito em despachá-las apenas com uma primeira impressão apressada. As suas amizades eram duradouras; não eram caprichosas nem extravagantes. Estava sempre à altura das circunstâncias; alegre, mas com uma visão de alcance suficiente para mandar discretamente cumprir os seus planos até ao menor pormenor. Estava sempre atento às necessidades do império, conservando prudentemente os seus recursos e suportando as críticas daí resultantes. Não era supersticioso frente aos deuses; e frente aos seus concidadãos nunca se rebaixava para alcançar popularidade nem namorava as massas, mas prosseguia o seu caminho calma e firmemente, desprezando tudo o que lhe soasse a ostentação ou moda. Aceitava sem complacência ou compunção os bens materiais que a sorte pusera à sua disposição; quando estavam à mão aproveitava-os, e quando não estavam, não sentia qualquer mágoa.

Não lhe podiam ser apontados quaisquer vestígios dos sofismas dos casuístas, do atrevimento do adulador, ou do escrúpulo exagerado do pedante; todos os homens lhe reconheciam uma personalidade madura e acabada que era insensível à lisonja e perfeitamente capaz de se orientar a si próprio e aos outros. Além disso, tinha grande respeito por todos os filósofos genuínos; e embora abstendo-se de criticar os outros, preferia passar sem a sua orientação. Na convivência era afável e atencioso, mas sem exageros. Os cuidados que dispensava ao corpo eram razoáveis; não havia nele qualquer ansiosa preocupação de prolongar a existência, ou em embelezar a sua aparência, contudo estava muito longe de ser descuidado em relação a esta, e de fato cuidava tão bem de si próprio que raramente precisava de cuidados médicos ou de medicamentos. Não se notava nele o menor vestígio de inveja no seu pronto reconhecimento de qualidades notáveis, querem discursos públicos, quer nos domínios da lei, da ética ou qualquer outro, e esforçava-se por dar a cada pessoa a oportunidade de conquistar reputação no seu próprio campo. Embora todas as suas ações fossem guiadas pelo respeito pelo precedente constitucional, nunca abandonava o seu caminho para buscar o reconhecimento público disso. Também não gostava da agitação e da mudança e tinha uma arreigada preferência sempre pelos mesmos lugares e sempre pelas mesmas atividades. Depois de uma das suas enxaquecas, voltava logo aos seus deveres sem perda de tempo, com novo vigor e completo domínio das suas capacidades.

Os seus documentos secretos e confidenciais não eram muitos, e os raros temas neles tratados referiam-se exclusivamente a assuntos do estado. Revelava bom senso e comedimento na exibição de espetáculos, na construção de edifícios públicos, na distribuição de subsídios, etc., tendo sempre mais em vista a necessidade dessas medidas do que o aplauso que elas provocavam. Os seus banhos não eram a horas inconvenientes; não tinha a obsessão de construir; não era nada esquisito em relação à sua alimentação, nem ao corte e às cores das suas vestes, nem à apresentação daqueles que o rodeavam. As suas roupas eram-lhe enviadas da sua casa de campo em Lorium, e a maior parte das sua coisas eram de Lanuvium. A famosa maneira como ele tratou um inspector em Tusculum era típica do seu comportamento, pois a falta de cortesia, bem como a brusquidão ou a jactância, eram estranhas à sua natureza; nunca ficava encalorado, como diz o povo, ao ponto de transpirar; era seu hábito analisar e pesar todos os incidentes, devagar, calma, metódica, decisiva e consistentemente. Aquilo que se diz de Sócrates, não é menos aplicável a ele: que tinha a capacidade de se permitir ou negar a si próprio indulgências que a maioria das pessoas são incapazes de recusar por fraqueza, ou de apreciar, pelos seus excessos. Ser assim tão forte para, à sua vontade, se conter ou ceder revela uma alma perfeita e indómita — como Máximo também demonstrou no seu leito de doente.

17. Aos deuses devo os meus bons avós, os meus bons pais, uma boa irmã, e os professores, camaradas, parentes e amigos, todos bons, quase sem excepção; e ainda o fato de nunca ter tido qualquer zanga com eles, apesar de um temperamento que podia bem ter precipitado qualquer coisa desse tipo, se as circunstâncias não se tivessem providencialmente combinado para nunca me pôr à prova. A eles também devo o fato de a minha educação ter deixado, desde cedo, de estar a cargo da amante do meu avô e assim a minha inocência ter sido preservada; e também o fato de nunca ter sentido qualquer ânsia de me tornar adulto e me ter contentado com um lento desenvolvimento. Agradeço também ao céu que, sendo o meu pai o Imperador, eu tivesse ficado imune a todas as pompas, e me fizessem compreender que a vida na corte pode ser vivida sem escoltas reais, mantos reais, luminárias, estátuas e outros esplendores exteriores desse tipo, mas que o nosso modo de vida pode ser reduzido quase ao nível do cidadão comum, sem perder o prestígio e autoridade necessários quando as questões de estado requerem liderança. Os deuses deram-me também um irmão14 cujas qualidades naturais eram um desafio à minha própria autodisciplina, ao mesmo tempo que a sua afeição atenciosa me aquecia o coração; e filhos que não eram intelectualmente nada diminuídos, nem fisicamente deformados. Foram os deuses que limitaram a minha competência na retórica, na poesia e noutros estudos que me podiam ter tomado o tempo se eu tivesse encontrado menos dificuldade em progredir. Eles cuidaram de que eu, na primeira oportunidade, tivesse elevado os meus tutores à categoria que eu pensava que eles mereciam, em vez de adiar a questão com expectativas de futuras promoções, a pretexto da sua juventude. Aos deuses devo o conhecimento de Apolónio, Rústico e Máximo. A eles também devo a minha percepção vívida e recorrente da verdadeira espiritualidade da Vida Natural; na verdade, pela sua parte, os favores, ajudas e inspirações que recebi deixam sem desculpa o fato de eu não ter conseguido alcançar esta Vida Natural; e se eu estou ainda longe do objetivo, só eu próprio sou responsável por não ter tomado atenção aos sinais — melhor, às orientações virtuais — que recebi de cima.

Aos deuses deve ser atribuído o fato de a minha constituição ter sobrevivido tanto tempo a este tipo de vida; de nunca me ter envolvido com uma Benedicta, nem com uma Theodota, e também de ter saído incólume de outras relações subsequentes; e embora Rústico e eu tivéssemos frequentemente as nossas diferenças, nunca levei as coisas ao ponto de ter de me arrepender; e de os últimos anos de vida da minha mãe, antes da sua morte prematura, terem sido passados comigo. E mais, de em certas ocasiões, quando eu pensava ajudar alguém na sua pobreza ou desgraça, nunca me terem dito que eu não tinha os meios necessários; como também de eu próprio nunca ter estado em situação de pedir a alguém semelhante ajuda. E devo agradecer ao céu pela mulher que tenho, tão submissa, tão adorável, e tão despretensiosa; por ter sempre tutores competentes para os meus filhos; e pelos remédios que me eram prescritos em sonhos — especialmente nos casos dos escarros de sangue e das vertigens, como aconteceu em Caieta e Chrysa. Finalmente, o fato de, dada a minha inclinação para a filosofia, não ter ainda assim caído nas mãos de um qualquer sofista ou ter passado todo o meu tempo agarrado aos livros e às regras da lógica ou amarrado ao estudo das ciências naturais.

Por todas estas coisas boas “o homem precisa da ajuda do Céu e do Destino”.15

Entre os Quadi, no Rio Gran.

LIVRO 2

1. Começa cada dia por dizer a ti próprio: Hoje vou deparar com a intromissão, a ingratidão, a insolência, a deslealdade, a má-vontade e o egoísmo — todos devidos à ignorância por parte do ofensor sobre o que é o bem e o mal. Mas, pela minha parte, já há muito percebi a natureza do bem e a sua nobreza, a natureza do mal e a sua mesquinhez, e também a natureza do próprio culpado, que é meu irmão (não no sentido físico, mas como meu semelhante, igualmente dotado de razão e de uma parcela do divino); portanto nenhuma destas coisas me ofende, porque ninguém pode envolver-me naquilo que é degradante. Nem eu posso ficar zangado com o meu irmão ou entrar em conflito com ele; porque ele e eu nascemos para trabalhar juntos, como, de um homem, as duas mãos, os dois pés, as duas pálpebras ou os dentes de cima e de baixo. Criar dificuldades uns aos outros é contra as leis da Natureza — e o que é a irritação, ou a aversão, senão uma forma de criar dificuldades aos outros?

2. Um pouco de matéria, um pouco de respiração e uma Razão para tudo dirigir — isto sou eu. (Esquece os teus livros; deixa de suspirar por eles; não faziam parte do teu equipamento.) Como alguém já à beira da morte, não penses na primeira — no seu sangue viscoso, nos seus ossos, na sua teia de nervos e veias e artérias. E a respiração, o que é? Uma lufada de ar; e nem sequer o mesmo ar, mas, antes, sempre diferente a cada inspiração e expiração. Mas a terceira, a Razão, a mestra — é nela que te deves concentrar. Agora que o teu cabelo já está grisalho, não deixes mais que ela tenha um papel de escrava, que se contorça, qual marioneta, a cada acesso de interesse pessoal; e deixa de te exasperares com o destino, resmungando com o hoje e queixando-se do amanhã.

3. Toda a organização divina está impregnada da Providência. Mesmo os caprichos do acaso têm o seu lugar no esquema da Natureza, isto é, no intricado tecido das disposições da Providência. A Providência é a fonte donde fluem todas as coisas; e a ela aliada, está a Necessidade, e o bem-estar do universo. Tu próprio és parte do universo; e para qualquer das partes da natureza, aquilo que lhe é atribuído pelo Mundo-Natureza, ou a ajuda a existir, é bom. Além disso, o que mantém todo o mundo em existência é a Mudança: não meramente a mudança dos elementos básicos, mas também a mudança das formações maiores que elas compõem. Contenta-te com estes pensamentos, e considera-os sempre como princípios. Esquece a tua sede de livros, para que, quando o teu fim chegar não resmungues, mas o encares com boa vontade e verdadeira gratidão aos deuses.

4. Pensa nos teus muitos anos de adiamento; como os deuses repetidamente te proporcionaram mais períodos de graça que não aproveitaste. Está na altura de te dares conta da natureza do universo a que pertences, e da daquele poder controlador de que és filho; e de compreenderes que o teu tempo tem um limite.

Usa-o, portanto, para avançares no teu esclarecimento, senão ele vai-se e nunca mais voltará a estar de novo em teu poder.

5. Decide com firmeza, a todas as horas, como romano e como homem, fazer tudo aquilo que te chegar às mãos com dignidade, e com humanidade, independência e justiça. Liberta o espírito de todas as outras considerações. Isto podes tu fazer se abordares cada ação como se fosse a última, pondo de lado o pensamento indócil, o recuo emocional das ordens da razão, o desejo de causar uma boa impressão, a admiração por ti próprio, a insatisfação pelo que te calhou em sorte. Vê o pouco que um homem precisa de dominar para que os seus dias fluam calma e devotadamente: ele apenas tem de observar estes poucos conselhos, e os deuses nada mais lhe pedirão.

6. Ó alma minha, que mal, que mal vós estais a fazer a vós própria; e muito em breve vós já não tereis mais tempo para fazerdes justiça a vós própria. O homem não tem senão uma vida; e a vossa está já próxima do fim, contudo, continuais a não ter olhos para a vossa própria honra e estais a hipotecar a vossa felicidade às almas de outros homens.16

7. A tua atenção é desviada para preocupações exteriores? Então, concede-te um espaço de sossego dentro do qual possas aumentar o conhecimento do bem e aprender a refrear a tua inquietação. Defende-te também de outro tipo de erro: a loucura daqueles que passam os seus dias com muita ocupação mas carecem de um qualquer objetivo em que concentrem todo o seu esforço, melhor, todo o seu pensamento.

8. Dificilmente encontrarás um homem a quem a indiferença pelas atividades de outra alma traga infelicidade; mas para aqueles que não prestam atenção aos movimentos da sua própria, a infelicidade é certamente a recompensa.

9. Tendo sempre em mente aquilo que o Mundo-Natureza é, e aquilo que a minha própria natureza é, e o que uma é em relação à outra — uma fracção tão pequena de um Todo tão vasto — lembra-te de que ninguém pode impedir-te de concertar cada palavra e cada ação com a Natureza de que és parte.

10. Quando Theophrasto compara os pecados — tanto quanto comummente se reconhece que são comparáveis — ele afirma a verdade filosófica de que os pecados do desejo são mais censuráveis do que os pecados da paixão. Porque na paixão, o afastamento da razão parece trazer consigo, pelo menos, um certo desconforto e uma impressão meio sentida de constrangimento; enquanto os pecados do desejo, entre os quais predomina o prazer, revelam um carácter mais auto-indulgente e mais feminino. Tanto a experiência como a filosofia apoiam a alegação de que um pecado que dá prazer merece uma censura mais grave do que aquele que faz sofrer. Num caso, o prevaricador é como um homem amarrado a uma perda de controle involuntária; no outro, a ânsia de satisfazer o seu desejo leva-o a fazer o mal de sua própria vontade.

11. Em tudo o que fizeres, disseres ou pensares, lembra-te de que está sempre na tua mão o poder de te retirares da vida. Se os deuses existem, não tens nada a temer em te despedires da humanidade, pois eles não deixarão que te aconteça qualquer mal. Mas se não há deuses, ou se eles não se metem nos assuntos dos mortais, o que é a vida para mim, num mundo desprovido de deuses ou desprovido da Providência? Os deuses, contudo, existem, e preocupam-se com o mundo dos homens. Deram-nos o poder suficiente para não cairmos em qualquer dos males absolutos; e se houvesse verdadeiro mal nas outras experiências da vida, eles teriam providenciado nesse sentido também, para que estivesse na mão de todos os homens evitá-lo. Mas quando uma coisa não piora o próprio homem, como pode ela piorar a vida que ele vive? O Mundo-Natureza não pode ter sido tão ignorante a ponto de descurar um risco deste tipo, ou, dele conhecedor, não ser capaz de inventar uma salvaguarda ou um remédio. Nem a falta de poder, nem a falta de competência poderiam ter levado a Natureza a cair no erro de permitir que o bem e o mal visitassem indiscriminadamente o justo e o pecador. Contudo, viver e morrer, fama e descrédito, dor e prazer, riqueza e pobreza, e por aí adiante, são quotas- partes que cabem igualmente aos homens bons e maus. Coisas como estas não elevam nem aviltam; e, portanto, não são nem boas nem más.

12. Os nossos poderes mentais deviam permitir-nos perceber a rapidez com que todas as coisas se desvanecem; os corpos no mundo do espaço, e as lembranças no mundo do tempo. Devíamos também observar todos os objetos da percepção — particularmente aqueles que nos enchem de prazer ou nos afligem com sofrimento, ou são clamorosamente impelidos até nós pela voz da vaidade — a sua vulgaridade e baixeza, como são sórdidos, e como se desvanecem e morrem rapidamente. Devíamos distinguir o verdadeiro merecimento daqueles cuja palavra e opinião conferem reputação. Devíamos apreender, também, a natureza da morte; e que basta contemplá-la fixamente e dissecar as fantasias a ela mentalmente associadas, para acabarmos por pensar nela como nada mais do que um processo natural (e só as crianças se assustam com um processo natural) — ou melhor, como qualquer coisa mais do que um processo natural, uma contribuição positiva para o bem-estar da natureza. Também podemos aprender como o homem tem contato com Deus, e com que parte de si próprio esse contato se mantém, e como essa parte se comporta depois da sua remoção daqui.

13. Nada mais triste do que fazer o circuito de toda a criação, “esquadrinhando as profundezas da terra”, como diz o poeta, e espreitando curiosamente os segredos das almas dos outros, sem por uma vez compreendermos que agarrar firmemente o espírito divino que neles reside e servi-lo lealmente é tudo aquilo de que precisamos. Tal serviço implica o mantê-lo livre da paixão, e da falta de objetivos, e da insatisfação com a obra dos deuses ou dos homens; porque a primeira merece o nosso respeito pela sua excelência; a segunda, a nossa boa-vontade, em nome da fraternidade, e por vezes também, a nossa piedade, por causa da ignorância dos homens a respeito do bem e do mal — uma fraqueza tão mutiladora como a incapacidade de distinguir o preto do branco.

14. Mesmo que vivesses três mil anos, ou até trinta mil, lembra-te que a única vida que um homem pode perder é aquela que está a viver no momento; e mais, que ele não pode ter qualquer outra vida a não ser aquela que ele perde. Isto significa que uma vida mais longa ou mais curta vão dar ao mesmo. Porque o minuto que passa é o bem igual de todos os homens, mas o que já passou não é nosso. A nossa perda, portanto, limita-se àquele momento fugaz, uma vez que ninguém pode perder o que já passou, nem o que está ainda para vir — porque como é que ele pode ser despojado daquilo que não tem? Assim, duas coisas temos de ter em atenção. Primeiro, que todos os ciclos da criação, desde o princípio do tempo, têm o mesmo padrão recorrente, de modo que não importa que o mesmo espetáculo se observe durante cem anos ou durante duzentos, ou para sempre. Segundo que quando aqueles de nós que vivem mais, e os que vivem menos, morrem, as suas perdas são perfeitamente iguais. Porque a única coisa de que o homem pode ser despojado é o presente, uma vez que isso é tudo o que ele possui, e ninguém pode perder o que não é seu.

15 .Há óbvias objecções à afirmação do cínico Mónimo de que “as coisas são determinadas pelo que vemos nelas”; mas o valor do seu aforismo é igualmente óbvio, se aceitarmos a sua substância até ao ponto de considerarmos que ela contém uma verdade.

16 .Para uma alma humana, o maior dos males auto- infligidos é tornar-se (podendo) uma espécie de tumor ou abcesso no universo; porque contender com as circunstâncias é sempre uma rebelião contra a Natureza — e a Natureza inclui a natureza de cada parte individual. Outro mal é rejeitar um semelhante ou opor-se-lhe com más intenções, como os homens fazem quando estão zangados. Um terceiro, render-se ao prazer ou à dor. Um quarto, dissimular e mostrar insinceridade ou falsidade em palavras ou em atos. Um quinto, a alma não dirigir os seus atos e esforços para um objetivo determinado, e gastar as suas energias sem qualquer fim e sem o devido pensamento; porque mesmo a mais insignificante das nossas atividades deve ter um fim em vista — e para criaturas dotadas de razão, o fim é a conformidade com a razão e a lei da Cidade e Comunidade originais.

17. Na vida de um homem, o seu tempo é apenas um momento, o seu ser um fluxo incessante, os sentidos uma vela mortiça, o corpo uma presa dos vermes, a alma um turbilhão inquieto, o destino, negro, e a fama, duvidosa. Em resumo, tudo o que é do corpo, é como água corrente, tudo o que é da alma, como sonhos e vapores; a vida, uma guerra, uma curta estadia numa terra estranha; e depois da fama, o esquecimento. Onde, pois, poderá o homem encontrar o poder de guiar e salvaguardar os seus passos? Numa e só numa coisa apenas: a Filosofia. Ser filósofo é manter o espírito divino puro e incólume dentro de si, para que ele transcenda todo o prazer e toda a dor, não empreenda nada sem um objetivo, ou com falsidade ou dissimulação, não fique na dependência das ações ou inações dos outros, aceite todas e cada uma das prescrições como vindas da mesma Fonte donde ele próprio veio — e final e principalmente, para que espere a morte com dignidade, como nada mais do que a simples dissolução dos elementos de que todo o organismo vivo é composto. Se esses próprios elementos não se danificam com a incessante formação e reformação, porquê olhar com desconfiança a transformação e dissolução do todo? Trata-se apenas do curso da Natureza; e no curso da Natureza não se encontra mal nenhum.

LIVRO 3